Como é amplamente reconhecido, a legislação aplicável ao contrato agrário é específica, com destaque para a Lei nº 4.504/64, também conhecida como o “Estatuto da Terra” (ET), e o Decreto nº 59.566/65. O artigo 92 do ET estabelece que:
"Art. 92. A posse ou uso temporário da terra será exercido em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e aqueles que nela desempenham atividades agrícolas ou pecuárias, sob as formas de arrendamento rural, parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa, conforme os termos desta Lei. §1º O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido em parceria."
Adicionalmente, o Decreto nº 59.566/65, em seu artigo 1º, define arrendamento e parceria como contratos agrários reconhecidos pela lei para o uso temporário da terra, firmados entre o proprietário e quem exerce atividade agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa (art. 92 do Estatuto da Terra).
Esse contrato regula como se desenvolverá a atividade no imóvel rural, seja agrícola, agropecuária, agroindustrial, ou outras, com foco na destinação econômica do imóvel.
Tratando especificamente do contrato de parceria, o artigo 4º do Decreto citado define:
"...pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo ou não benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou entrega animais para cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha dos riscos e dos frutos, produtos ou lucros, conforme estipulado pelas partes, respeitados os limites percentuais da lei (art. 96, VI do Estatuto da Terra)."
O artigo 96 do ET, por sua vez, trata dos princípios do contrato de parceria agrícola, destacando as percentagens máximas que o proprietário pode obter, variando de 20% a 75%, conforme os bens oferecidos. Essas percentagens se aplicam à participação dos frutos da parceria, com base no que foi acordado, respeitando os limites estabelecidos pela Lei nº 11.443/07.
O contrato de parceria envolve a cessão do imóvel rural e a partilha dos riscos relativos à atividade rural. Esses riscos podem ser: (1) caso fortuito ou força maior; (2) os frutos, produtos ou lucros, conforme estipulado entre as partes e respeitados os limites percentuais do ET; (3) as variações nos preços dos frutos obtidos na exploração.
Interessante notar que a partilha de riscos não exige a adoção cumulativa de todas as variáveis descritas na legislação, podendo ser estabelecido um único risco para a divisão, conforme acordado entre as partes.
Além disso, os percentuais de participação nos frutos, definidos no artigo 96, referem-se exclusivamente à participação nos frutos da parceria e não se aplicam a caso fortuito, força maior ou variação de preço dos frutos.
2. Legislação Fiscal Relacionada ao Contrato de Parceria
Quanto à tributação, o Decreto nº 9.580/2018 (RIR), junto com as Instruções Normativas SRF 83/2001 (para pessoa física) e 1700/2017 (para pessoa jurídica), regulamentam a tributação de contratos de parceria agrícola. Além disso, a Lei nº 8.023/90 e outros dispositivos legais definem os critérios de tributação, com destaque para o artigo 13 da Lei nº 8.023/90, que estabelece:
"Art. 13. Os arrendatários, condôminos e parceiros na exploração da atividade rural, comprovada a situação documentalmente, pagarão o imposto conforme o disposto nesta lei, separadamente, na proporção dos rendimentos que couber a cada um."
O Regulamento do Imposto sobre a Renda, em seu artigo 52, detalha que os arrendatários, condôminos e parceiros pagarão impostos separadamente, na proporção dos rendimentos obtidos, conforme a situação documentada. Na hipótese de parceria rural, o imposto será calculado conforme a parte do parceiro que assumiu os riscos da atividade rural.
3. Precedente Recente do CARF sobre o Contrato de Parceria
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) emitiu uma decisão sobre a simulação em contrato de parceria rural, onde foi afirmado que:
"O Contrato de Parceria Rural possui características próprias, sendo indispensável que ambas as partes contratantes realizem a atividade rural e arquem com os riscos inerentes à atividade para que possam dividir, da forma como foi acordado, os rendimentos decorrentes do exercício da atividade."
Foi identificada a simulação no contrato devido à transferência do resultado positivo para a empresa contratante, onde a tributação era menor, e as despesas eram concentradas nas pessoas físicas.
4. Reflexões sobre a Decisão do CARF
A partir dessa recente decisão do CARF, podemos refletir sobre alguns pontos.
Primeiramente, o trecho que afirma ser indispensável que ambas as partes realizem a atividade rural não implica, necessariamente, que o parceiro outorgante deva desempenhar a atividade rural, já que a responsabilidade pela condução da exploração pode ser atribuída exclusivamente ao parceiro outorgado.
Além disso, o contrato de parceria implica que ambas as partes compartilhem os riscos da atividade rural. Isso pode ser feito com base nas opções previstas no ET, incluindo caso fortuito, partilha de frutos, produtos ou lucros, ou variação de preços.
A divisão dos rendimentos deve ocorrer conforme acordado no contrato, o que pode envolver a partilha de frutos, produtos, lucros ou outros ajustes, com a tributação ocorrendo conforme os percentuais estabelecidos na Lei nº 8.023/90.
Por fim, a alegação de simulação devido ao "transporte" do resultado positivo à empresa contratante não constitui, necessariamente, ilegalidade.
A partilha dos resultados pode ser legítima, e a concentração de despesas na pessoa física do parceiro outorgado é uma prática prevista na legislação, especialmente quando o parceiro outorgante contribui apenas com a terra nua.
Em resumo, a decisão do CARF, ao afirmar que há simulação, carece de um entendimento mais detalhado sobre as práticas legais e os elementos que configuram a parceria rural, sem perder de vista a legalidade dos acordos firmados entre as partes.
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