A Reforma Tributária no Brasil: Simplificação ou desafios para o ambiente de negócios?

A estrutura tributária brasileira é caracterizada pela complexidade e fragmentação dos tributos indiretos, o que gera distorções econômicas e desafios para o ambiente de negócios. A reforma tributária propõe mudanças significativas, destacando a criação de novos tributos com o objetivo de aproximar a tributação sobre o consumo ao modelo do "Imposto sobre Valor Agregado" (IVA). O intuito é simplificar a tributação e corrigir distorções que impactam a competitividade e o crescimento econômico.


O sistema atual de tributação do consumo se baseia em uma divisão de competências entre a União, estados e municípios. Cada um institui tributos sobre diferentes matérias: ICMS para a circulação de mercadorias, ISS sobre a prestação de serviços, e PIS e Cofins sobre o faturamento. Embora as bases sejam distintas, esses tributos são repassados no preço final dos produtos e serviços, sendo assim, suportados pelo consumidor.


Essa fragmentação resulta em insegurança jurídica, elevados custos de conformidade para as empresas e um cenário de intensa litigiosidade, com os tributos acumulados no preço final, sem considerar os benefícios fiscais utilizados pelos estados e municípios para atrair negócios, fenômeno conhecido como "guerra fiscal".


O novo modelo de IVA surge como proposta para harmonizar e simplificar a tributação sobre o consumo, com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que será de competência compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União. Ambos terão as mesmas bases de incidência e regras de aplicação, conforme os artigos 156-A e 195, inciso V, da Constituição.


Essa reformulação busca, em teoria, simplificar a tributação, unificando a base tributária em uma única materialidade — operações com bens e serviços — e diminuindo as sobreposições de competência, já que haverá apenas dois tributos. Ao mesmo tempo, tenta-se preservar o pacto federativo, garantindo uma arrecadação equilibrada para todos os entes federativos.


A não cumulatividade tributária, um dos princípios mais importantes da tributação sobre o consumo, visa evitar a cobrança excessiva de tributos ao longo da cadeia de circulação de bens e serviços, permitindo o abatimento dos valores já pagos nas etapas anteriores. No entanto, a diversidade de hipóteses de incidência tributária, como o ISS sobre serviços e o ICMS sobre mercadorias, torna a aplicação da não cumulatividade inviável, pois uma empresa que comercializa mercadorias não consegue compensar os valores do ISS pagos pelos seus prestadores de serviços.


A uniformização das regras de incidência sobre as operações de bens e serviços e a competência compartilhada entre os entes federativos, com o IBS, poderia solucionar essa questão, gerando créditos que, em teoria, resultariam em uma redução no preço final do produto.


Porém, ao analisar mais detalhadamente, percebe-se que essa solução pode ser mais complexa do que parece, pois a busca pela simplificação pode gerar dificuldades na manutenção do equilíbrio da arrecadação entre os entes tributantes, sem afetar a autonomia de cada um, respeitando o pacto federativo.


Uma das críticas mais comuns ao novo sistema é a redução da autonomia dos estados e municípios. Embora estes ainda possam definir as alíquotas dos tributos, a disciplina do tributo e a gestão pelo Comitê Gestor estarão sob a responsabilidade da União, o que pode gerar novos conflitos que afetem os contribuintes. Além disso, a mudança no número de tributos não implica em uma redução da arrecadação, mas sim em alíquotas mais altas, que podem chegar até 26,5%, conforme a Lei Complementar n. 214/2015.


Com as alíquotas mais altas, a não cumulatividade precisa ser aplicada com cautela, para evitar prejuízos, especialmente para as pequenas empresas, que possuem menor capacidade de absorver os custos tributários. As prestadoras de serviços também podem ser prejudicadas, uma vez que os custos com a folha de pagamento, que representam grande parte das suas despesas, não gerariam créditos.


Os efeitos indiretos dessa arrecadação única com alíquotas fixas incluem a diminuição do poder de compra dos consumidores, aumento do preço final dos produtos, redução na lucratividade das empresas e diminuição da competitividade.


Outro aspecto relevante é a mudança no aproveitamento dos créditos da não cumulatividade. De acordo com a Lei Complementar 214/2025, a utilização desses créditos dependerá da quitação dos créditos tributários pelos fornecedores. Isso implica que os contribuintes precisarão tratar os custos tributários como custos principais, pois o não pagamento pode impedir seus adquirentes de utilizar os créditos e tornar suas operações mais caras, prejudicando a concorrência.


Além disso, as vendas realizadas por empresas do Simples Nacional, que não serão sujeitas ao IBS e ao CBS, não gerarão créditos para seus adquirentes, o que pode prejudicar as pequenas empresas e violar os princípios constitucionais de tratamento diferenciado.


Em resumo, embora a reforma tributária tenha o potencial de simplificar o sistema como um todo, as alterações podem trazer incertezas que afetam setores e empresas específicas, gerando preocupações com os preços, custos operacionais e aspectos concorrenciais.


As empresas devem compreender os efeitos da reforma para discutir possíveis distorções inconstitucionais e ajustar suas políticas tributárias, contratos e estratégias comerciais para manter sua competitividade.

Inscreva-se em nossa

newsletter

Veja também

A Primeira Seção do STJ afetou o Tema 1.273, discutindo o prazo decadencial para o mandado de segurança contra obrigações tributárias periódicas, buscando uniformização com força vinculante.

By Xiaoli Ortega | Tax Notes 27/11/2024

Nos Acompanhe

Instituto Brasileiro de Tributação e Tecnologia é referência em educação e debate sobre questões tributárias, oferecendo cursos e eventos especializados

Conecte-se ao IBTT


Apoio


Fale conosco


(+55) 11 4195 - 4949

Barueri - SP -Brasil

Edifício Guinzza

Al. Madeira, 258 – 4º andar

Cep: 06454-010.